Alguns dos maiores problemas de um qualquer jovem é, sem dúvida, o seu cabelo, o seu casaco de couro, e as cores com que se veste. O problema da beleza é o seguinte: ou nos importamos com ela, ou não lhe ligamos nenhuma; em ambos os casos, é uma questão de ego. Como poderei eu saber se estou bonito, se ainda pareço jovem e se serei atraente, quando a única pessoa que me diz que sou bonito é aquela que vive dentro do espelho em que me olho? Quem tenta convencer quem? Serei eu que tento convencer o espelho, ou o espelho que me tenta convencer a mim?
Preparava-me para mais uma viagem no metro da cidade; cerca de 20 minutos de puro desperdício de tempo que sempre são melhores que os 50 minutos que levaria a fazer o caminho a pé. Estava perto da cabine do motorista e, curioso, olhava para o interior e imaginava que era eu que ia no seu lugar.
Quando voltei a olhar para o interior do metro, a menos de 1 metro de mim estava uma rapariga bonita, atraente e com charme. De forma persistente, ela olhava para mim e para a cabine; para mim e para a cabine; para mim e para a cabine… Estará ela a olhar para mim, ou será estrábica? – perguntava-me eu. A rapariga, por fim, voltou-se para a frente e ficou a olhar para o exterior do metro através da janela.
A rapariga albergava uma pasta de escola com uma etiqueta onde aparecia escrito: Marta Leite; 10º Ano; 3º Período. Portanto, era uma jovem de nome Marta com cerca de 16 ou 17 anos, no máximo.
Enquanto eu olhava para a pasta de Marta, esta virou-se novamente e fixou o seu olhar em mim. Eu, petrificado por dentro, fingi estar a olhar para o infinito e não para a sua pasta.
Nada de estranho até aqui, não fosse o facto de Marta ter literalmente fixado o seu olhar em mim a menos de 1 metro de distância. Utilizando a minha visão periférica, tentava compreender a situação sem no entanto perder o meu ar cool. O seu olhar firme, penetrante e quente, derreteu o objeto petrificado que tenho no meu peito e a que chamo de coração.
O seu olhar assediante incendiou a minha compostura. Marta provocou o meu constrangimento total, reduzindo-me a uma situação de ingenuidade que entorpeceu o meu raciocínio. Naquele momento, eu já não sabia quem era o menor de idade; se eu, se Marta.
Porque olhava ela assim? Sem vergonha, como se lançasse dardos de veneno sexual contra mim… Eu era um inocente desprotegido prestes a copular mentalmente com uma menor, e ninguém nos arredores era capaz de intervir para parar tal blasfémia!
“Será ninfomaníaca?”, pensava eu? Os ninfomaníacos são pessoas que tentam de tudo para arranjar um parceiro sexual, estejam onde estiverem. E mais! Na maior parte das vezes são bem sucedidos. Quem me dera ser ninfomaníaco, nem sequer percebo porque é considerado uma doença.
O assédio trovejante e tectónico da Marta provocou um abalo dentro de mim. O meu ritmo cardíaco começou a aumentar, e o meu corpo começou a produzir movimentos estúpidos e incontroláveis. Tal como uma criança, comecei a sentir uma vontade incontrolável de ir à casa de banho.
A pressão foi imensa, e a dada altura não fui capaz de conter um sorriso de nervosismo. De um sorriso pequeno cresceu um grande sorriso. Perdera a batalha do sério com Marta. Rendido, olhei a sorrir para ela e perguntei-lhe, com os meus olhos e com o meu corpo, “Afinal, o que se passa?”
– És muito bonito.
Quando Marta proferiu estas palavras, a Estupefação deu as mãos ao Estarrecimento.
A resposta de Marta foi monumental por duas razões: por um lado, a sua frase expressa simplicidade absoluta; por outro, é homenageadora para quem a recebe. A minha resposta foi bem mais coloquial:
– Também sou bem mais velho do que tu.
O contra argumento de Marta foi sinal de alguém significativamente liberta de restrições: torceu o corpo enquanto subia os ombros e as sobrancelhas, apologizando a aleatoriedade de algo que simplesmente acontece de vez em quando – ver alguém cuja beleza não deixa ver mais nada à sua volta.
Depois desta troca de palavras, Marta acabou por sair na paragem de metro.
Predadora ou não, Marta é sem dúvida um ser errante.
texto retirado de A Teia nº1 – O Canto Político